4.4.11

Bianca

Quando eu tinha seis anos aprendi a desconfiar, morava na casa da minha avó e lembro bem que desde que me conheci por gente tínhamos a gata mais bonita do mundo. Bianca era uma siamesa e além de ser linda também era muito boazinha. Foi meu primeiro bicho de estimação, mamãe sempre me dizia que a Bianca dormia no meu berço toda noite e que quando eu chorava a gata não descansava até acordá-la.

Então eu era uma criança magrela e feliz que amava pra caralho sua gata gorda, mas como nem tudo são flores um dia a Bianca sumiu, e foi aquela a primeira vez que eu conheci a tristeza. “Ela fugiu!”. Não era suficiente pra mim, mas eu não recebia nenhuma outra explicação. A única pessoa da minha casa que tinha se abalado tanto quanto eu ou mais com aquela ausência era minha avó, ela acima de todas as pessoas passara mais tempo com Bianca.

Eu não me lembro exatamente como foi, não sei se me contaram ou se eu descobri sozinha, o fato é que eu era muito nova pra ser atingida pela verdade. Digo atingida porque algumas verdades são tão difíceis que mais se parecem com socos no estômago, essas nem deveriam ser ditas. Poderia ter vivido pra sempre achando que a Bianca tinh

a fugido ou se perdido, mas a verdade é que minha avó a tinha atropelado sem querer.

Lembro-me que o mundo começou a abrir embaixo dos meus pés, eu me sentia traída e repentinamente entendi o conceito da desconfiança. Minha avó por sua vez ficou duplamente triste, por ter matado a gata que adorava e enganado a neta que amava. Demorou anos pra eu perceber que não teria feito diferença saber ou não. A verdade ou a mentira não iam trazer a Bianca de volta, e a confiança em vovó voltou depois de alguns meses e uns pratos de sopa de feijão com macarrão de letrinha. Só me lembro de ter tido um conflito tão forte com ela anos depois, quando descobri que ela era palmeirense.

O mais irônico é que agora a pessoa que eu mais amo no mundo é uma palmeirense, a melhor que eu já conheci. Fazendo um paradigma entre as duas situações, dessa vez eu seria vovó. Fui eu quem estraguei tudo, perdi a confiança, as estribeiras e em um ato irracional me afoguei naqueles pares de pernas e aceitei que eu estava sendo uma completa babaca.

O que eu matei aquele dia foi minha vontade de trepar – sem sentimentalismos pelo menos uma vez na vida -, o que eu matei aquele dia foi minha necessidade de provar pra não sei quem que tava na hora de deixar de ser a nerd idiota do pedaço, eu matei também qualquer raspa de moral e ética que residia em mim, em resumo quem morreu aquele dia fui eu, pelo menos aquela que você conheceu, mas o que eu estou tentando fazer é você gostar do que me tornei, o que é muito difícil porque nem eu mesma gosto. E o que me enfurece cada dia mais é saber que essa ponte quebrada está nos matando aos poucos agora.

A confiança era a base do nosso relacionamento, você sempre conheceu minha má sorte e toda vez que ela me atingia era em você que eu procurava conforto. De alguma forma você era meu parâmetro de ser humano, um modelo a ser seguido, aquela que eu amei como minha melhor amiga por te achar a melhor pessoa. O mundo é um lugar mal freqüentado e tudo que eu desejava pra melhoria do mesmo era que existissem mais pessoas como você. Como já diria o Abujamra “O mundo ta muito doente, tem homem que mata, tem homem que mente”.

Quando meu mundo fica doente eu sei que no final do dia você consegue dar um jeito de remediá-lo e viver sem seus medicamentos me parece impossível.

Eu sei como é a sensação de não conseguir mais ter fé nas pessoas, também já me magoaram a ponto de sugar minha capacidade de ter fé. Essa é a coisa mais triste que se pode acontecer com um nobre coração, o meu doeu muito quando te ouvi dizer que não confiava em mais ninguém. E acima de todas as coisas é por isso que eu mais sinto em toda essa confusão, eu sei que vamos sobreviver de um jeito ou de outro, mas eu não suporto conviver com o fato de ter contribuído com sua perca de esperança no mundo.

Assim que você encontrá-la de volta por favor divida comigo brother, porque algo dentro de mim continua me dizendo que nós somos especiais demais pra desaparecer, se perder ou morrer como minha primeira gata.

Nenhum comentário:

Postar um comentário