27.2.11

Muitas felicidades, muitos ânus de vida

Finalmente eu cheguei aos dezenove anos e isso não faz a menor diferença, idade pífia, sem graça. Queria ter vinte, trinta. Queria viver na época de sessenta, mas não tive sorte nem nisso. Nasci no tempo errado, até nisso eu me atrasei. Que bom seria se minha vida fosse como no meu ideal universo paralelo, toda vez que eu quase o alcanço a realidade vem me despertar e nunca é de uma maneira sutil.

Turbilhões de pensamentos e sentimentos me assombram o tempo todo, diferente dos jovens de hoje em dia eu simplesmente não consigo libertar minha mente e meu corpo, eu não me permito deixar de ponderar nem por um segundo, não funciono como os outros e me sinto a cada ano que passa cada vez mais extraterrestre. Estou sempre pensando, sentindo e de que adianta se nada falo nada faço? Meus amigos sempre me dizem que eu sou insegura, mas como eu poderia não ser se não faço parte de nada importante, não contribuo pra nada que vai durar pra sempre, eu não fiz nada grande, no entanto tive meus projetos, tantos projetos dos quais eu abandonei porque a emoção tinha passado, o momento tinha passado por mim e como minha juventude eu nem mesmo reparei.

Por isso eu acredito que todo momento especial precisa ser capturado de alguma forma. N

ão quero esquecer meus dezenove, por sorte eu não tirei nenhuma foto e pra ser capturado meu momento poderia apenas ser escrito, palavra por palavra nesse lindo sábado de manhã onde todos os meus amigos estão dormindo, enquanto eu fico pensando qual é o grande plano pra mim?

Eu já devia ter aprendido que eventos no facebook nunca são bons pra nada, eu sempre acabo me ferrando com eles, o tal de maratona de aniversário não poderia ter sido diferente. Eu decidi entrar no espírito da coisa, e por coisa eu digo a idéia fixa das pessoas sobre me travestir. Juro que fiz meu melhor, quando tive vontade de chorar não chorei porque lembrei da maquiagem, e quando tive vontade de fugir eu percebi que não gosto de sapatos altos porque eles não são bons pra fugas. E eu quero correr o tempo todo, fugir, esquecer, nada disso é possível com aquela dor insuportável no pé. Digo que por sorte não tive fotografias porque elas seriam catastróficas, se eu fosse capturar o exato momento em que eu cheguei em casa eu acho que aquela seria a foto da minha vida, eu não sendo eu num estado deplorável, as botas em uma mão, as meias pretas de sujeira, a camisa queimada, o joelho todo fodido estropiado e o lenço que eu escolhi tão carinhosamente tinha mostrado todo seu tamanho porque eu me cobri como um manto. Graças a Deus ninguém estava aqui pra me recepcionar, eles nunca estão.

Meu azar conseguiu se superar no meu dia especial. Começou com a minha avó se esquecendo que há dezenove anos eu tinha nascido, eu esperava acordar com abraços e beijos, mas tudo o que eu recebi foi um “acorda logo que você está sempre atrasada”. Presumindo que o dia seria bom pela sua premissa eu peguei minhas coisas e fui embora afinal eu estava atrasada pro nada, e o nada parece sempre estar atrás de mim. Conheci novas pessoas das quais nunca lembrarei o nome, e que nunca saberiam que aquele era meu aniversario, praticamente o primeiro aniversário que eu comemorei na minha vida. Todos os anteriores caíram muito perto do carnaval pros meus amigos não estarem viajando e no ultimo é claro eu passei numa cama de hospital com dengue, mas não aquele, aquele eu jurei pra mim mesma que eu faria de tudo pra superar, pra ser o melhor possível e olha no que deu: Voltei pra casa pobre, sem cigarros, sem fome, sem sono, voltei pra casa sem nada, me sinto um zumbi, com ausência de vida e excesso de histórias, voltei sem peso, sem medo, sem qualquer consideração comigo mesma, eu acho que deixei tudo nas paredes daquele losango colorido. Definitivamente algo se perdeu em mim e eu pensei que em aniversários nós só ganhávamos, eu perdi a mim mesma e não consigo achar em lugar nenhum.

Deveria ter sido diferente, minha avó não deveria ter me ligado pra dizer as coisas que disse, uma ligação muda tudo e tudo muda o tempo todo. A única coisa que eu ouvia era o conselho que me dizia pra esquecer, curtir, deixar pra lá. Fui deixando e nessa deixa me senti culpada, se eu estivesse acordado mais cedo, se eu não tivesse saído no dia anterior, se eu não tivesse dado tantas preocupações pro meu avô, o “se” adjunto com suas infinitas possibilidades me perseguiam o tempo todo e eu tenho um jeito muito engraçado de lidar com a culpa, eu deixo ela comigo e vou me punindo ao longo dos dias. É uma falta inconsciente – como aquelas que eu cometo em nome dos meus romances -, deixa tudo na conta da porra do amor, depois um dia ele vem e cobra a gente.

Infelizmente quando a conta chega pra mim eu também desenvolvo um jeito muito peculiar de lidar com ela, vou juntando todas as notinhas e um dia eu juro que vou pagar. Vou pagar muito caro e com juros só não é hora ainda. Ao invés de pensar no amor e no fato de que minha família estava sucumbindo emocionalmente, eu só pensei em mim mesma (como todo mundo me disse que as pessoas fazem no dia do aniversário), então eu decidi deleitar-me no playland e eu tenho que admitir que aqueles foram os unicos minutos em que todas as minhas preocupações, todas minhas culpas estavam longe de mim e eu sorri, eu até consegui sorrir.

Mamãe me levou pra comer no Rockets como nós fazemos todo dia vinte e cinco de fevereiro em que estamos em bons anos, e até mesmo na única tradição que eu consigo manter as coisas deram errado. Tivemos uma discussão sobre um assunto que eu só me esquivo, ela me pediu pra fazer algo que eu não poderia fazer agora, eu me desculpei, me culpei um pouco mais, não consegui comer minha comida preferida no mundo todo. Tava engasgado, ta tudo engasgado em mim, pelo menos naqueles bancos de couro vermelho meus problemas pareciam desaparecer mas dessa vez não funcionou, eu senti falta do meu priminho, da minha tia, das pessoas na mesa, esse ano era só eu e mamãe, solitárias e tristes dividindo meia porção de cebolas.

Eu desconsiderei tudo isso, subi no salto e literalmente só me machuquei. Coisas ruins acontecem comigo e eu não reajo mais, no máximo eu dou risada, engulo seco e respondo sempre: sim, ta tudo bem, tudo ótimo. Ótimo é o caralho, no dia do meu aniversário eu não queria estar lá e eu não queria ser eu mesma. Eu consegui alcançar a segunda porque definitivamente não fui eu mesma. Moldei-me forte em meia hora e não foi suficiente, a máscara que esconde meus sentimentos estava até maquiada.

Acho que eu tenho que admitir que comigo as coisas são diferentes, eu não devia ter escolhido uma balada pra comemorar meu aniversário, afinal eu me divirto muito mais com fliperamas, teria sido melhor ir ao playland de novo, fazer uma festa em casa, um piquinique no parque, tanto faz, tudo menos aquilo.

O lugar era legal, as pessoas estavam lá, mas eu não pude deixar de sentir que faltava alguma coisa, comigo é sempre assim eu nunca me sinto plena, completa e despreocupada. Acho inclusive que é por isso que eu não consigo dançar, eu conheço a liberdade, toda parte em toda categoria dela, mas não sou livre pra me soltar. Meus amigos mais íntimos partiram pra outra missão e eu fiquei pra catástrofe, pra minha degradação, pro meu desgosto.

As pessoas me diziam que eu tinha que sentir a musica e eu percebi que eu sinto a musica de um jeito diferente, minha expressão não é física, mas minha mente expande e os pensamentos sempre parecem mais claros pra mim. Eu lembro que naquela pista de dança eu não me importava mais com a sorte, o azar, o destino ou o justo e o injusto. Se eu fechasse meus olhos poderia me esquecer de novo das coisas que eu fiz, das coisas que eu vi, que eu senti. Lembrei-me então de que quando era criança meu pai costumava dizer que sempre que eu tivesse medo de ver alguma coisa eu deveria fechar meus olhos, e toda vez que eu sentisse muita dor eu deveria respirar com os olhos fechados.

Lembrar dele obviamente me fez ter vontade de chorar, muitas vezes eu tive vontade de chorar no dia de hoje, mas eu fui forte em todas elas afinal uma mocinha não deixa a maquiagem borrar. Eu esperei chegar em casa, tirar minhas traças de roupas, tirar esse palhaço sorridente do meu rosto e chorar, chorar como um bebe que eu fui há dezenove anos atrás. Eu fechei meus olhos e eu respirei, quando eu abri de novo eu vi um novo mundo no teto, eu precisava de uma distração e tinha encontrado a mais chamativa de todas elas. Naquela hora nada importava enquanto eu ainda tivesse as luzes no teto pra admirar, então eu tive literalmente a noite toda pra olhar e olhar de novo.

Acho que é verdade que os piscianos são frágeis e sensíveis e eu apesar de tentar não sou uma exceção, as três da manhã com toda carga emocional contida em mim misturada com algumas vodcas a mais resultaram na minha total depreciação, eu queria meus queridos amigos, aqueles que seguram minha barra, mas tudo o que eu tinha eram as luzes que brilhavam sob a minha cabeça iluminando todo aquele inferno onde eu não queria mais estar. E as luzes brilharam até as sete da manhã quando eu já estava completamente indiferente a tudo, quando todas as coisas que eu precisava dizer já tinham se petrificado, todas as minhas cinqüenta ligações não tinham sido retornadas, eu estava sem bolsa, sem chave de casa, sem cigarros. Sair de uma balada na luz do dia nessas condições foi o estopim da minha tristeza e quando a tristeza vem bater a minha porta eu digo: foda-se.

Estava tudo perdido, tudo errado e eu não poderia fazer nada pra consertar ou ajudar, eu estava um trapo e não fazia a menor idéia do que fazer, foi quando eu tive a sorte de ter bons amigos e consegui me comunicar com eles. Que como de costume me salvaram de mim mesma, dessa vez um pouco tarde demais, no entanto me resgataram das minhas insensatezes, ainda que o preço a se pagar foram as infinitas risadas que nós demos de mim mesma. Porque quando eu contava minha noite eles não acreditavam, não entendiam e eu tampouco. Sobrava só rir, a única coisa que estava faltando era a profecia da minha tia se tornar realidade e eu cair de joelhos na noite de ontem, ainda bem que isso só aconteceu na garagem da casa da minha amiga, mas doeu muito, uma dor como todas as outras dores que causamos a nós mesmos quando estamos anestesiados, tipo aquela que só vai doer depois. Combinou bem com o hematoma no mesmo joelho que eu adquiri um pouco antes tentando fugir loucamente de uns pedreiros que eu nem sei se existem.

Feliz aniversário pra mim, a mais azarada idiota do grande ABC. Que sempre ganha o bolo, mas nunca a cereja, pelo menos eu ganhei a segunda coisa que eu mais queria no mundo. Muitas felicidades e que muitos ânus venham com esses anos porque de tanto tomar no cu, eu bem que precisava de uma bundinha extra.

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